Angolanos emigrados em Lisboa reclamaram hoje o direito de voto nas eleições presidenciais, queixando-se de serem discriminados por parte do governo de Luanda, que acusam de não querer “vozes dissonantes” no “pensamento único” do país. Estamos em 2017 e, 42 anos depois da independência e 15 após a paz total, ainda existem angolanos de primeira e de segunda.
Manuel Santos, há mais de uma dezena de anos emigrado, foi um dos organizadores de um encontro de emigrantes em Lisboa para discutir a situação política do país e pedir o direito a participar nas eleições.
“Tudo isto começou com uma carta que vários grupos de diáspora espalhados por África, Europa e Américas” enviada às representações e ao parlamento angolano a pedir o direito de voto.
Mas “nem sequer recebemos uma resposta, foi o silêncio completo”, afirmou Manuel dos Santos, que acusa o Governo angolano de violar a constituição que confere direitos iguais a todos os cidadãos.
Depois das eleições de 23 de Agosto, há a promessa de “suposto mundo novo que vai acontecer no país com o fim da presidência de 38 anos de Eduardo dos Santos”. Mas, “apesar desse mundo novo, continuamos a viver num mundo velho que não resolve a questão da cidadania” para quem está fora de Angola.
Para Manuel dos Santos, há uma “ausência de vontade política (em permitir o voto aos emigrantes)” a que se soma a falta de organização dos “serviços diplomáticos e consulares que nunca receberam qualquer orientação oficial no sentido de fazerem registo dos cidadãos”.
“Há um receio de que a diáspora seja uma voz dissonante”, resumiu o dirigente.
Jorge Fernandes veio para Portugal em 1981, depois das perseguições e assassinatos do 27 de Maio 1977 aos partidários de Nito Alves e que culminaram com o massacre de milhares de angolanos, ordenado pelo próprio MPLA de Agostinho Neto. “Fui militante do MPLA e sou um sobrevivente”, resumiu.
A decisão de não atribuir direito de voto aos emigrantes está, para Jorge Fernandes, directamente relacionada com a “soberba e impunidade do poder de José Eduardo de Santos”, que acha que “não tem de prestar contas”.
Hoje, o sistema de “poder pessoal” está mais “vulnerável com os problemas na falha da almofada do petróleo”, numa referência à diminuição do preço do barril, mas Jorge Fernandes não acredita que os emigrantes tenham direito a votar a médio prazo — caso único entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
“Não era a percentagem dos emigrantes que iria alterar os resultados”, mas a hierarquia política de Luanda não quer ter de lidar com o desconhecido, numa referência aos emigrantes no exterior.
“Desde a independência que a situação é esta: um partido-estado. Quando se está a falar do M [nome popular referente ao Movimento Popular de Libertação de Angola — MPLA, no poder desde 1975) está-se a falar do governo. Quando se está a falar do governo, está-se a falar do M”, disse Jorge Fernandes
Karina Carvalho, directora executiva da associação cívica Transparência e Integridade, veio aos quatros anos de idade para Portugal mas nunca deixou de se sentir angolana e tem trabalhado de perto com várias organizações internacionais que lidam com o país onde nasceu e onde já, depois de adulta, chegou a viver.
“O regime angolano não quer votos não controlados”, afirmou a dirigente, considerando que “há uma ideia que só é angolano quem ficou em Angola. Todos os que saíram de Angola deixaram de ser considerados angolanos”.
Após o fim da guerra civil e com a normalização da situação política, o “regime nunca se renovou, apesar de aparentar modernidade”.
Para tal contribui um “aparelho militar muito forte”, explicou Karina Carvalho. “Temos generais que controlam governadores provinciais ou ministérios. Em Angola, um general é um actor político, não se restringe ao universo militar”.
Apesar da situação do país, Karina Carvalho acredita que o provável sucessor de José Eduardo dos Santos, João Lourenço (candidato do MPLA) terá condições de fazer alterações.
Em Angola, há “uma concepção messiânica do governo e do Presidente, transformado numa figura mítica”, com poder absoluto, explicou a activista, que dá um exemplo da falta de mecanismos que garantam o equilíbrio de poder.
“A unidade de combate ao branqueamento de capitais está sob a tutela directa do chefe de Estado”, que funciona como uma espécie de “rei sol” absolutista, explicou.
Jorge Fernandes também acredita que a situação poderá ter alterações, mas mais ligeiras: “Há sempre mudança porque o João Lourenço quererá incutir o seu cunho pessoal” mas o “poder económico e financeiro continuará nas mãos do Zédu (José Eduardo dos Santos) e da sua nomenclatura”.
Por isso, o antigo militante do MPLA não acredita que se verifiquem mudanças estruturais, até porque os “filhos do regime estão a chegar ao poder e querem manter as coisas”.
Porque, “para quem não tem dificuldades, em Angola vive-se bem. Vai-se ao estrangeiro recarregar as baterias, de vez em quando, e no país faz-se o que se quer, com toda a impunidade”, explicou.
Folha 8 com Lusa
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